1973 – O ANO EM QUE A MPB SE REINVENTOU
Quando os críticos mais vorazes da música popular brasileira afirmavam que ela estava morrendo, notadamente com o fim da era dos festivais, ela simplesmente se reinventou. Algo enigmático fez com que em um mesmo ano se fosse produzida uma quantidade incomum de discos que teimariam em resistir ao tempo, não só por sua alta dose de inovação, mas também pela quantidade generosa de estreantes que os assinaram.
Quando os termos variedade e qualidade são utilizados para referir-se àquela safra de ótimos lançamentos, dizem respeito à potência musical das composições em diferentes estilos, que surgiram mesmo que sob censura. Essa fase foi marcada pela evasão de muitos músicos, que deixaram o país devido à forte repressão militar.
Foi o ano das pluralidades musicais. Alguns destaques ficaram por conta de ícones da música popular nordestina, tais como Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Na bossa nova, sucessos de Tom Jobim, João Gilberto, João Donato, Luiz Bonfá e do estreante Pery Ribeiro (filho da cantora Dalva de Oliveira e do compositor Herivelto Martins) também marcaram o ano. Mas nem só de “medalhões” viveu a MPB em 1973.
Quem poderia imaginar que o país inteiro iria rebolar ao som do Vira, embalado por um grupo de músicos seminus (Secos & Molhados), cujo principal vocalista tinha voz feminina? Nessa mesma época, Antônio Marcos vinha com O Homem de Nazaré; Tim Maia chegava com Gostava Tanto de Você; Roberto Carlos apresentava Proposta, e Raul Seixas, Fagner, Gonzaguinha, Francis Hime, Sérgio Sampaio, Luiz Melodia e João Bosco lançavam seus LPs de estreia. Caetano Veloso surpreendeu com o experimental Araçá Azul, e Eumir Deodato (que fez o arranjo de Travessia, de Nascimento e Brant) consagrou-se como um dos maiores vendedores de discos no mundo, com sua versão para Also Sprach Zarathustra, de Strauss, tema do filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço.
Entre as vozes femininas, Elis Regina, Maria Bethânia, Gal Costa, Elizeth Cardoso, Beth Carvalho, Clara Nunes, Evinha e a estreante Simone (ex-jogadora de basquete) marcaram presença. E a brasileira Flora Purim foi eleita pela revista americana Downbeat como a melhor cantora de jazz.
No samba, registraram-se lançamentos de Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros, Lupicínio Rodrigues, Martinho da Vila e Jair Rodrigues, com o samba-canção Orgulho de Um Sambista. Sem contar Benito di Paula com o samba-joia, que era executado no piano, combinado com arranjos românticos e jazzísticos.
Boa parte dos sucessos da época eram os românticos/populares, que ganhariam um nome questionado por uns e assumido por outros: o brega (muito usado para designar a música romântica de “baixa qualidade”, com exageros dramáticos ou ingenuidade; o samba-canção, o bolero e até alguns artistas da jovem guarda foram vinculados a essa estética). Seu maior expoente foi Odair José – entre as mulheres, a cantora Diana –, que criou canções com histórias de pessoas comuns, culturalmente invisíveis, em que eram abordados temas até então “proibidos”, como a pílula anticoncepcional. Apesar de seu trabalho ser desconsiderado por boa parte da crítica musical, ele foi alvo de forte censura do regime, chegando a ser excomungado pela igreja católica por tocar em tabus da religião e em conflitos amorosos que envolviam paixão e sexo.
A gravadora Phonogram, atual Universal, promoveu o Phono 73, um festival realizado no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, entre os dias 10 e 13 de maio de 1973. A proposta era reunir duplas como Chico Buarque e Gilberto Gil, Caetano Veloso e Odair José e Gal Costa e Maria Bethânia e, em seguida, registrar os encontros em álbuns. A música mais aguardada foi Cálice, de Chico e Gil, que não entrou no disco, pois por ordem da censura os microfones foram desligados no momento da apresentação. Outro marco do festival foram as vaias para a cantora Elis Regina que, sob coação, havia cantado o hino nacional na abertura de um evento esportivo do Exército.
Exemplo da repercussão da música produzida nessa época é o livro 1973 – O ano que reinventou a MPB (de 2014), organizado pelo jornalista Célio Albuquerque, que traz o relato pessoal de 50 autores sobre um LP de sua preferência lançado em 1973, sem fugir do compromisso com a informação. Jornalistas, artistas e outros notáveis enriquecem a leitura com seus pontos de vista e percepções particulares, acrescendo dinamismo e refinando seu conteúdo. Além de um projeto de arqueologia musical, é um memorial sobre a civilidade e o humanismo, valores há muito abandonados pela música no Brasil.
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