QUEM FOI DOLORES?

Enquanto lê o post de hoje, ouça as músicas da Dolores Duran, clicando aqui.

Considerada a primeira cantora moderna da música brasileira, Dolores Duran se tornou uma intérprete respeitada numa época pródiga em grandes vozes femininas graças a um talento tão incomum quanto precoce. Natural do Rio de Janeiro, Adiléia Silva da Rocha nasceu em 7 de junho de 1930 e, ainda criança, passou a frequentar cursos de interpretação e a atuar em peças teatrais. Em casa, ouvia a mãe, costureira, cantar canções que ela própria compunha, para deleite da família.

Aos 12 anos, incentivada por amigos, Dolores se inscreveu no programa Calouros em Desfile, apresentado por Ary Barroso. Tirou o primeiro lugar. Desde então, não parou mais.

Embora tenha completado apenas o ensino primário, ainda muito cedo Dolores passou a se dedicar intensamente ao estudo de línguas estrangeiras – interpretava canções em francês, espanhol, italiano, alemão e até esperanto. O aprendizado veio do contato diário com a música, que ela ouvia incessantemente no rádio da família, e da disciplina com que se dedicou na adolescência e juventude ao estudo de línguas – seus amigos contavam que ela costumava trazer dicionários a tiracolo, que consultava com regularidade estivesse onde estivesse.

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Recomendada por amigos, logo entrou para o circuito das mais importantes casas noturnas do Rio de Janeiro, quando teve a oportunidade de se apresentar ao lado de alguns dos maiores músicos da época. Certa vez, ao apresentar-se diante de ninguém menos do que Ella Fitzgerald, que passava pelo Rio de Janeiro, ouviu dela um elogio – sua interpretação de My Funny Valentine havia sido considerada pela jazzista uma das melhores que ela ouvira até então.

Dali seguiu para os microfones da Rádio Nacional, principal veículo de comunicação do país na época, e impressionou o país graças à sua técnica, segurança e bom gosto.

Após a estreia em rádio, veio o sucesso em disco. Regularmente, ela também fazia shows em São Paulo e no Uruguai/Argentina, países onde mantinha fã clubes fiéis ao seu estilo.

Por pura coincidência, Dolores se relacionou com alguns artistas que fariam fama na bossa nova. Ela teve um namoro com o compositor paraense Billy Blanco, de quem gravou algumas canções. Depois, ela conheceu João Donato, tocavam violão e escreviam músicas juntos. Chegaram a ficar noivos, mas a família dele não a aceitou, não queria que o filho ficasse com uma cantora, uma mulher da noite e, por cima de tudo, mais velha. Ela tinha 21 e ele 17.

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Considerada “avançada” para sua época, Dolores colecionou amores, mas se casou oficialmente apenas uma vez, com o ator, cantor e compositor Macedo Neto, a quem convenceu a adotar uma menina, Maria Fernanda, após a interrupção de uma gravidez tubária que a tornou infértil.

Portadora de uma doença cardíaca descoberta ainda na infância, Dolores não poupava a si mesma. Apreciadora da noite e da companhia de um bom uísque e do inseparável cigarro, em meados dos anos 1950, sofreu seu primeiro enfarte. O susto, no entanto, não foi suficiente para convencê-la a desacelerar. Ao contrário. Tempos depois, um segundo enfarte – este cercado de mistério – por pouco não a levou.

Nessa mesma época, simpatizou-se pelo Partido Comunista Brasileiro e aliou o sonho de cantar no exterior a um convite para conhecer a União Soviética, ao lado de um grupo de artistas brasileiros. Desiludida com o que viu, ela abandonou o grupo e, ao lado do amigo Paulo Moura, preferiu descansar alguns dias em Paris, onde se apresentou para uma plateia curiosa por ouvi-la de perto.

Por volta de 1957, passou a arriscar a compor as primeiras letras. Logo, o Brasil conheceria uma das mais importantes composições do cancioneiro popular, produzida a quatro mãos por Dolores e um jovem pianista do Rio de Janeiro, Antônio Carlos Jobim.

Tom contou que havia composto a música, e Vinicius de Moraes, a letra. Dolores foi apresentada à canção e, ao ouvir a melodia tocada por Tom no piano, tirou um lápis de sobrancelha da bolsa e começou a rabiscar num papel; apresentou para o compositor e pediu autorização a ambos para usar a nova versão. Vinicius reconheceu a beleza da letra e gentilmente cedeu, então, ela registrou Por causa de você. Com Tom, fez ainda Se é Por Falta de Adeus e Estrada do Sol.

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Ao todo, Dolores deixou 37 composições conhecidas, e uma tornou-se coqueluche para estudantes e intérpretes de várias épocas: A Noite do Meu Bem – que ela gravou cerca de um mês antes de sua morte. A música foi registrada por cantores como Elizeth Cardoso, Nelson Gonçalves, Maysa, Elis Regina, Milton Nascimento, Cauby Peixoto, Nana Caymmi e até Kid Abelha (isso é uma pequena amostra). Teve também versões internacionais e foi escolhida como uma das 100 maiores músicas brasileiras de todos os tempos pela Revista Rolling Stone Brasil.

Embora, em sua maioria, suas canções tratem de desilusões amorosas – que fizeram com que muitos acreditassem que Dolores era uma mulher melancólica –, segundo relatos dos que conviveram com ela, era exatamente o contrário. Alegre, gostava de contar piadas e se divertia muito na companhia dos amigos, só saía do sério quando algum deles se mostrava preocupado com a sua saúde. A estes dizia preferir viver intensamente a privar-se de seus prazeres.

Certa manhã, ao voltar para casa depois de mais uma noite de trabalho, deu um banho na filha, banhou-se e pediu que não a incomodassem durante todo o dia. “Vou dormir até morrer”, ela costumava dizer. Aos 29 anos, não acordou mais. O enfarte desta vez fora definitivo.

Em 2010, foi lançada uma caixa de oito CDs com as músicas compostas ou apenas interpretadas por Dolores Duran.



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