Refavela e o Afrobeat

Em 1977, Gilberto Gil fez uma viagem à Nigéria para participar do II Festival Mundial de Arte e Cultura Negra (Festac), em Lagos, onde conheceu o afrobeat de Fela Kuti e uma vibrante nova música africana liderada também por King Sunny Adé.

Acontecia em Salvador o fenômeno da reafricanização do carnaval, tendo o Ilê Aiyê e o já veterano Filhos de Gandhy à frente, e, junto a isso, a penetração do reggae na cultura local. Ao mesmo tempo ocorria o êxodo de moradores de favelas para conjuntos habitacionais distantes do centro das cidades. Gil botou tudo isso num caldeirão que resultou no seu disco mais simbólico da herança cultural africana, o Refavela. O álbum traz no lado A as músicas Refavela, Ilê Ayê, Aqui e Agora, No Norte da Saudade, Babá Alapalá. E no lado B: Sandra, Samba do Avião, Era Nova, Balafon, Patuscada de Gandhi.

A obra foi também o prenúncio da axé music, que estouraria em meados dos anos 80, tendo como estopim o grupo Olodum, que desenvolvia um trabalho para despertar a autoestima do cidadão de pele negra. Como resultado, um imenso número de grupos eclodiu nos terreiros de Salvador, refletindo na onda axé pop, que enriqueceu muitos artistas e transformou a Bahia na meca do carnaval alternativo.

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Show dos 40 anos

Gilberto Gil não participou diretamente da criação do Refavela 40 – show para celebrar seu visionário disco –, que estreou no dia 2 de setembro, em São Paulo, e vai até dezembro em algumas capitais. Ele é um convidado especial de sua família estendida, onde estão seus filhos Bem e Nara Gil, o “filho adotivo” Moreno Veloso e sua nora Ana Cláudia Lomelino, além de velhos e novos amigos como Maíra Freitas (filha de Martinho da Vila) e a cantora Céu. O roteiro extrapola o repertório de Refavela sem sair do universo do álbum em que Gil fez e cantou “música negra para gente de todas as cores.”

Um pouco de história

Gilberto Passos Gil Moreira nasceu no dia 26 de junho de 1942, em Salvador/BA. Filho de José Gil Moreira, médico, e de Claudina Passos Gil Moreira, professora, passou sua infância em Ituaçu e, aos nove anos, mudou-se para a capital a fim de seguir os estudos e aprender acordeon.

Sua carreira musical teve início em 1964, época em que cursava Administração na UFBA, quando participou do show Nós, Por Exemplo, ao lado de Caetano Veloso, Tom Zé, Gal Costa e Maria Bethânia.

Em 1965, mudou-se para São Paulo para trabalhar como executivo da Gessy Lever. No ano seguinte, sua música Ensaio Geral, interpretada por Elis Regina, ficou em 5º lugar no II Festival de Música Popular Brasileira (FMPB), realizado pela antiga TV Record. Em 1967, a música Domingo no Parque, que cantou junto com os Mutantes, ficou em 2º lugar no III FMPB. Nesse mesmo ano, lançou seu primeiro disco, Louvação.

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O Festival foi o ponto de partida para o movimento artístico chamado Tropicalismo, que Gil fez surgir junto com Caetano Veloso, Torquato Neto, Tom Zé, Gal Costa, Os Mutantes e o maestro Rogério Duprat, entre outros. A Tropicália se inspirou principalmente na Semana de Arte Moderna, de 1922, e no Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade (“Tupy or not Tupy, that is the question”), fazendo a fusão de elementos da moderna música estrangeira com as novas tendências locais (como a Bossa Nova) e o tradicional representado por Luiz Gonzaga e Vicente Celestino. O movimento, que abrangia também as artes plásticas, o cinema e o teatro, causou polêmicas e abriu portas para uma nova etapa da MPB.

Em 1968, Gil lançou Gilberto Gil, disco que trazia as canções Procissão e Domingo no Parque. A capa do álbum é uma obra de Rogério Duarte (autor do cartaz do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha), que expressa bem a influência do psicodelismo que dominava a música e as artes nos EUA e na Europa.

Num período em que expressar ideias podia ser uma ameaça à própria sobrevivência, Gil e Caetano foram presos pelo governo militar e depois deportados para a Inglaterra, onde viveram entre os anos de 1969 e 1972. Em seu retorno ao Brasil, lançou o álbum Expresso 2222. Em 1975, começou uma trilogia com Refazenda, seguido de Refavela e Realce (fora da programação, ele fez Refestança, ao vivo, com Rita Lee).

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Em 1976, junto com Caetano, Gal e Bethânia, formou o conjunto Doces Bárbaros, que rendeu um álbum e várias turnês pelo país. Em 1978, apresentou-se no Festival de Montreux, na Suíça, e ganhou o Grammy de Melhor Álbum de World Music com Quanta Gente Veio Ver. Nos anos 1980, ele procurou estar antenado com o que ocorria no universo musical, pois a procura pelo novo sempre esteve presente em sua obra, principalmente nos temas que propunha.

Em 1987, viajou com a esposa Flora e o fotógrafo Pierre Vergé ao Benin para travar contato com as raízes da cultura baiana. Lá, descobriu descendentes de ex-escravos brasileiros que fizeram o caminho de volta. E pôde observar que muitas famílias mantiveram os costumes de seus antepassados baianos, realizando, inclusive, um desfile de carnaval que é aberto por um estandarte da bandeira brasileira.

Acreditando que conseguiria mais avanços nas causas sociais e culturais que defendia, Gil se arriscou na vida política e elegeu-se, em 1989, vereador pela cidade de Salvador. Em 2003, foi nomeado Ministro da Cultura pelo governo Lula, mas desligou-se para voltar à carreira musical em 2008. De imediato, produziu o álbum Banda Larga Cordel e, em 2010, Fé na Festa.

Entre outros lançamentos, em 2015 saiu o CD/DVD ao vivo Dois Amigos, Um Século de Música, feito a quatro mãos com o eterno companheiro Caetano. Sua extensa discografia atinge o impressionante número de 65 álbuns e inclui participações em trilhas sonoras para o cinema e discos ao vivo, tanto solo quanto parcerias.

Bem, agora que você já conhece a história, vamos à música. Ouça a playlist Refavela: http://bit.ly/Vinil-Refavela



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